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Direito Penal

Sociedade tolera caos no sistema carcerário por achar que preso deve sofrer, diz juiz

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Presos decaptados, bebendo água de açudes que recebem esgoto, sem atendimento médico, em celas superlotadas. Esse cenário de filme de terror, comum no sistema carcerário brasileiro, tem sido revelado pelos mutirões carcerários e inspeções realizadas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) ao longo dos últimos três anos.

Nesta entrevista a Última Instância, o juiz Luciano Losekann, coordenador do DMF (Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário), afirma que desde as primeiras vistorias do CNJ houve avanços por parte dos governos estaduais, mas ainda estamos longe de garantir tratamento adequado e respeito aos direitos dos presos. Nós estamos tratando as pessoas privadas de liberdade de uma forma indigna. Talvez seja necessário convocar a lei protetora dos animais para que dêmos efetividade ao que diz a Constituição e as leis sobre o tratamento de pessoas.

Segundo Losekann, parte da culpa pela situação caótica do sistema prisional pode ser creditada à própria sociedade, que tolera as violações de direitos humanos nos presídios, por achar que os presos devem sofrer como punição pelos crimes cometidos. “Enquanto a sociedade mantiver esse sentimento de vingança, pouca coisa pode ser feita. As pessoas não se dão conta de que qualquer um de nós pode estar no sistema prisional. Muitas pessoas mudam a ideia que tinham do sistema prisional quando tem um amigo, ou parente preso.”

Leia a seguir a íntegra da entrevista com Luciano Losekann:

Última Instância – Há quase três anos do início dos mutirões carcerários e das inspeções do CNJ, é possível dizer que a situação carcerária no país mudou? O Conselho já conhece as causas que levam à superlotações e violações de direitos humanos?

Luciano Losekann – Em parte sim, no sentido de fazer com que o Poder Executivo dos Estados – que são os tradicionais gestores do sistema prisional – começem a ter uma conduta diferente em relação ao setor penitenciário, fazendo investimentos para que haja melhorias. País afora, temos firmado com os Estados termos de compromisso para aprimorar o sistema carcerário, fortalecê-lo, e, sobretudo, torná-lo mais humano. Este é o grande problema que existe no Brasil hoje em dia: a falta de dignidade do sistema prisional nacional.

Última Instância – Qual o saldo da atuação do CNJ até agora nos mutirões e inspeções?

Luciano Losekann – No âmbito do próprio Poder Judiciário, os tribunais estaduais começaram ver especialmente a parte de execução penal de uma forma diferente, começaram a dar importância a segmentos da jurisdição. Em muitos Estados, antes dos mutirões, não se dava a mínima para área de execução penal. Hoje, a realidade é distinta da de três anos atrás, juízes vêm sendo designados especialmente para atuar nessas varas. Há também programas visando a virtualização dos processos, o que dá maior celeridade. Ou seja, há uma preocupação além dos projetos como o Começar de Novo, que começa a ser mais desenvolvido nos tribunais de justiça em parceria com o CNJ.

Última Instância – Como o CNJ tem agido com a falta de acompanhamento das condições penitenciárias por parte dos juízes de execução penal?

Luciano Losekann – O CNJ, por meio de resoluções, tem obrigado determinadas condutas. Como exemplo, a Resolução 108 obrigou que os magistrados, ao expedirem o alvará de soltura, se certifiquem se esse alvará foi executado dentro do prazo. Hoje, o magistrado poderá ser responsabilizado se esse alvará não for cumprido no prazo estipulado. De outro lado, as visitas aos estabelecimentos são recentemente cobradas. Antes mesmo dos mutirões, verificamos se o juiz é conhecido da população carcerária e se ele visita ou não o presídio. Com isso, temos cobrado muito das corregedorias, que por sua vez cobram do magistrado esse tipo de atitude.

O que não existe, ou não temos visto, são juízes de execução penal sensíveis e que estejam realmente preocupados com a execução penal. Muitas vezes o juiz criminal responsável não tem noção de como é a cadeia para qual ele vai mandar aquela pessoa. Esse vínculo nós temos que aprimorar.

Última Instância – O Brasil atingiu a marca de meio milhão de presos. O senhor vê relação direta entre o aumento da população carcerária e as péssimas condições encontradas em sistemas prisionais?

Luciano Losekann – Esse aumento da população prisional decorre de um lado, do tipo de legislação que permite um grande número de decretos de prisões provisórias. Em alguns Estados da federação, a prisão se torna regra e não exceção – quando, na verdade, a liberdade é a regra e a prisão é exceção. Ela tem que ser muito bem fundamentada e reservada para não vulgarizarmos o sentido e alcance da prisão provisória. Hoje, no Brasil, ela é muito utilizada como antecipação de pena, o que é inconstitucional.

Mas a questão do aumento da população carcerária é justificada por um outro lado: o aumento da criminalidade violenta do Brasil. Nós falhamos, há 30, 40 anos atrás, em termos de políticas sociais de educação no Brasil. Isso reflete diretamente nos índices de criminalidade, porque com uma população inculta, que não tem meios de trabalho regular, acaba sendo tentada ou levada para a criminalidade. Muitas pessoas não precisariam estar no sistema prisional, mas a falta de políticas sociais públicas estimulam a criminalidade.

Outro fator importante para o aumento da população carcerária no Brasil se deve ao aumento do tráfico de drogas, que cresceu assustadoramente no país. Não há controle por parte das autoridades públicas e não há um efetivo na política antidrogas, que é extremamente falha no país.

Última Instância – O sr. acredita que existe tolerância na sociedade às violações de direitos humanos dos presos?

Luciano Losekann – Enquanto esse sistema prisional for desumanizado, não possuir o mínimo de dignidade, ele só gera mais violência. E essa violência retorna sobre a própria sociedade, que, violentada, pensa que o preso deve sofrer, que essa é a função da pena porque quanto mais o preso sofrer, mais vai aprender. Quando na verdade é o contrário, a prisão não reeduca ninguém.

Enquanto a sociedade mantiver esse sentimento de vingança, pouca coisa pode ser feita. As pessoas não se dão conta de que qualquer um de nós pode estar no sistema prisional. Muitas pessoas mudam a ideia que tinham do sistema prisional quando têm um amigo ou parente preso. A partir daí elas começam a perceber que a ideia cultivada do sistema prisional estava equivocada.

Última Instância – O intuito da inspeção é identificar os problemas do sistema carcerário e apontar soluções. O sr. pode apontar alguns resultados? Qual é o balanço até o momento?

Luciano Losekann – Em cada tribunal de justiça temos um grupo de monitoramento do sistema carcerário, isso faz com que tenhamos uma interlocução constante com os tribunais de justiça do estado e com grupos que fazem controle da execução penal. Muitos problemas temos encontrados por ter esta comunicação.

Temos conseguido um comprometimento maior dos executivos dos estados, são eles que criam vagas e constroem novas unidades. Muitos estados sentem a pressão do CNJ no sentido de melhoria do sistema. Por que nenhum estado gosta de receber do CNJ a notificação de que seu sistema é irregular, então isso tem sido muito positivo. A exemplo o mutirão de Mato Grosso onde o governo criou vagas no regime semi-aberto o que não existia no estado assim como se comprometeu a criar novas vagas no regime semi-aberto e aberto. O Espírito Santo depois da presença do CNJ em 2009, no primeiro mutirão, o poder judiciário e poder executivo fizeram grandes esforços para melhorar o sistema prisional.

Última Instância – As inspeções têm denunciados abusos, negligências e descasos. Quais medidas estão sendo tomadas em casos específicos como a falta de lugares para dormir, falta de limpeza, maus tratos com os detentos?

Luciano Losekann – São encaminhados ofícios aos governadores do Estado, aos secretários da penitenciárias, colocando a situação e, solicitando urgentes providências para que o tipo de negligência ou descaso sejam resolvidos e para que na próxima investigação a conversa com os governadores não seja necessária. Isso é uma forma de expor o Estado, afinal o governo não gosta que a mídia saiba que seu sistema prisional não é nada bom.

Nossa conversa com os governadores do Estado e secretários de administração penitenciária é constante para que haja melhorias. Até mesmo com a União, que possui e destina recursos, o diálogo é constante, na medida que deve haver por parte do governo federal uma destinação de verbas para construção de mais unidades prisionais. Embora seja indispensável que o sujeito seja trabalhado junto a psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras. Não basta construir espaço físico, tem de ter tratamento penal.

Última Instância – Hoje, o déficit prisional chega a cerca de 400 novos presídios. Como enfrentar as superlotações uma vez que presídios não são construídos da noite para o dia?

Luciano Losekann – Hoje teriam que ser 398 presídios com 500 vagas. Isso é um investimento bárbaro! O que precisamos é repensar o instituto da prisão. A prisão deve ser excepcional. Nos casos em que temos de ter alguma cautela sobre a pessoa que cometeu o delito, ao invés da prisão podemos usar mecanismos bem modernos de fiscalização dessa pessoa. Ao invés de decretar a prisão, posso ter monitoramento eletrônico antes mesmo da sentença final, ou seja, durante o período em que a pessoa está recorrendo ao processo. Em casos menos graves posso ter o monitoramente cautelar proclamado e deferido durante o tempo que a pessoa está respondendo ao processo.

Já está tramitando no congresso nacional o projeto do novo CPP (Código de Processo Penal) e nele está contemplada, ainda de forma tímida, a possibilidade de monitoramento eletrônico para as prisões cautelares. Isso vai ser um avanço. Esse meio é menos danoso ao indivíduo e reserva muito mais os interesses da sociedade.

Última Instância – Em muitas inspeções, ficou clara a má administração das prisões. Quais medidas estão sendo tomadas com relação à direção dos presídios e à obrigação dos estados?

Luciano Losekann – Existe muita corrupção no sistema prisional e o Estado não possui o controle das unidades prisionais. Quem manda no interior das prisões são os presos, assim como ocorre hoje no Rio de Janeiro, onde o Estado tenta recuperar o controle. Isso revela o descaso e uma situação inadmissível. As políticas ressocializadoras que o Estado deve impor no interior dos presídios não vêm acontecendo em boa parte do país.

No caso do Maranhão, onde os presos foram decaptados, o próprio presidente do STF e do CNJ, Cezar Peluso, enviou à governadora do Estado um ofício solicitando urgentes providências para melhoria do sistema prisional maranhense. A morte do preso é uma situação degradante de violência que não pode se repetir. Nós estamos tratando as pessoas privadas de liberdade de uma forma indigna. Talvez seja necessário convocar a lei protetora dos animais para que dêmos efetividade ao que diz a Constituição e as leis sobre o tratamento de pessoas.

Extraído de: Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Fonte: JusBrasil

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1 Comment

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  1. KML

    1 de março de 2011 at 6:43 AM

    E nós, só podemos lamentar. Os órgãos responsáveis são tão ociosos, como aqueles que permanecem em suas blindagens frias e obscuras. O mais desolador, é a corrupção, desvio do resto que é direito do preso,alimentação, material de higiene, medicamentos e etc, isto e mais a falta de pessoas capacitadas para prestar assistência jurídica, revisando em muitos casos, os erros absurdos do judiciário.

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Direito Penal

TIME E TORCEDOR DEVEM INDENIZAR ÁRBITRO POR AGRESSÃO

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A 10ª câmara de Direito Público do TJ/SP condenou um clube esportivo e um torcedor por agressão a um árbitro de futebol ao final de um jogo amador, na capital paulista. Ele receberá indenização de R$ 8 mil por danos morais.

De acordo com os autos, o torcedor teria agredido o árbitro com socos e chutes, além de proferir dizeres racistas contra ele. A briga teria sido apartada pelos próprios jogadores que disputavam a partida. Em depoimento, dois árbitros auxiliares e uma terceira testemunha confirmaram a violência.

Em voto, o relator Cesar Ciampolini Neto reformou a sentença que havia indeferido pedido de indenização para declarar a responsabilidade do agressor e do clube. Ressaltou que cabia ao clube ter fornecido segurança adequada no evento esportivo – ao não fazê-lo, ele responde, solidariamente com o ofensor, pela reparação. Entendeu que o reclamante “passou por inadmissíveis transtornos”, apurando-se que efetivamente sofreu lesões corporais, configurando o dano.

Participaram do julgamento os desembargadores João Carlos Saletti e Carlos Alberto Garbi.

Processo: 0628099-50.2008.8.26.0001

Fonte: migalhas.com.br

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SERIAL KILLER: PARA OAB, “SE COMPROVADAS 43 MORTES, HOUVE FALHA GRAVE DA POLÍCIA”

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O presidente da Comissão de Estudos de Direito Penal da OAB/RJ, Carlos Eduardo Machado, acompanhou o caso do serial killer da baixada com desconfiança nesta quinta-feira ontem (11). Sailson José das Graças, de 26 anos, foi preso depois de matar uma mulher e confessar o assassinato de mais 40 pessoas ao longo de nove anos. Carlos Eduardo Machado alerta que, se for comprovada a veracidade do depoimento do criminoso, o caso se trata de um escândalo.

— Eu vejo com muita reserva este caso. Pode se tratar de um perturbado que está criando coisas, delirando. Não é razoável uma quantidade dessas de crimes perfeitos, sem deixar pistas. É preciso verificar se é verdadeira essa confissão. Se for comprovada, houve uma falha grave na investigação policial.

De acordo com a SEAP (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária), Sailson José das Graças ficou preso de abril de 2008 a fevereiro de 2010, e de março 2010 a novembro de 2012. Mesmo com duas passagens pelo sistema prisional por roubo, o criminoso nunca foi investigado pelas mortes na Baixada Fluminense.

Machado destaca que, antes de criticar os agentes públicos, é preciso identificar o motivo de um possível descaso diante dos crimes.

— Faltou pessoal para investigar? Faltaram elementos para chegar até o suspeito? Por ser uma área menos favorecida, talvez, esteja sujeita a uma inefeciência do aparelho estatal. Se esses crimes tivessem sidos praticados no Leblon, teriam sido descobertos antes.

Fonte: noticias.r7.com

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Casas Bahia é condenada por exigir de vendedora práticas enganosas ao consumidor

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A rede varejista Nova Casa Bahia (Casas Bahia) foi condenada a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais a uma vendedora por exigir práticas enganosas ao consumidor sem a sua ciência, para aumentar o valor das vendas. Para a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que não conheceu do recurso da empresa contra a condenação, “o poder diretivo patronal extrapolou os limites constitucionais que amparam a dignidade do ser humano”.

Na reclamação trabalhista, a vendedora relatou que a empresa exigia o cumprimento de metas mensais e de cotas diárias de vendas de produtos financeiros, como garantia complementar ou estendida, seguro de proteção financeira, títulos de capitalização e outros. A prática, conhecida como “embutech”, consistia em embutir a garantia no preço da mercadoria sem que o cliente percebesse. Outro procedimento era o “arredondamento para cima” das taxas de juros e parcelas de financiamentos e a exigência de entrada nas vendas parceladas, mesmo quando a publicidade da loja informava o contrário.

Em pedido de dano moral, a trabalhadora alegou que por diversas vezes foi chamada de “ladra” ou “desonesta” na frente de todos, pelos clientes que retornavam à loja ao descobrir que foram ludibriados. Ela apontou ainda outras práticas vexatórias, como obrigar os vendedores que não cumpriam metas a ficar “na boca do caixa” como castigo, “empurrando” produtos aos clientes.

A empresa, em contestação, impugnou todas as alegações da vendedora afirmando que “não há sequer indícios que demonstrem o dano moral aleatoriamente pleiteado”. Defendeu que a fixação de metas “decorre de poder legítimo” do empregador, e negou a existência de qualquer pressão, cobrança ou tratamento rude, esclarecendo que “havia eram metas de vendas para alguns produtos em determinadas ocasiões promocionais, como é prática legal e regular em todo o ramo do comércio varejista”.

No entanto, os depoimentos das testemunhas confirmaram as denúncias. “A técnica era não informar ao cliente o preço promocional, que só aparecia no sistema. O cliente saía satisfeito, pensando que tinha recebido um desconto”, afirmou uma delas.

O juiz da 1ª Vara do Trabalho de Mauá (SP) condenou a empresa ao pagamento de R$ 15 mil de indenização por danos morais. Segundo a sentença, a rede “fez com que a empregada trabalhasse de forma predatória, iludindo clientes”. O Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região (SP) manteve a condenação.

No recurso ao TST, a empresa insistiu na tese de que a imposição de metas não configura dano moral, tratando-se apenas de “técnicas de vendas, com único objetivo de oportunizar maior lucro e, consequentemente, aumento nas comissões”.

Para o relator do caso, ministro Mauricio Godinho Delgado, a adoção de métodos, técnicas e práticas de fixação de desempenho e de realização de cobranças “tem de se compatibilizar com os princípios e regras constitucionais” que protegem a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e do emprego e da segurança e do bem estar, entre outros. E o quadro descrito pelo TRT-SP, na sua avaliação, não deixa dúvidas quanto à extrapolação do poder patronal. Para entender de outra forma, seria necessário o reexame dos fatos e provas, procedimento inadmissível em recurso de revista, como prevê a Súmula 126 do TST.

A decisão foi unânime.

FONTE: TST

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