Levando os direitos na brincadeira – O caso da súmula 380 do STJ.
Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito, em Conceição do Coité (BA).
Ronald Dworkin, em “Levando os direitos a sério”, escreveu: “a instituição dos direitos é crucial, pois representa a promessa da maioria às minorias de que sua dignidade e igualdade serão respeitadas. Quando as divisões entre os grupos forem mais violentas, esse gesto, se o Direito de fato funcionar, deve ser o mais sincero possível”.
Na mesma obra, Dworkin deixa claro que haverá conflito de direitos e que os representantes da maioria irão discordar de muitas das reivindicações apresentadas pelas minorias. Sendo assim, é importante que as decisões sejam tomadas com seriedade, devendo demonstrar que sabem o que são direitos e “não devem trapacear quando examinam o conjunto das implicações da doutrina correspondente”. Em caso contrário, não levando os direitos a sério, é evidente que o governo também não levará a Lei a sério, arremata Dworkin.
A lição de Dworkin é destinada ao governo, mas penso que também pode ser aplicada ao Poder Judiciário. Sem dúvida, aos julgadores também é imperativo que levem os direitos a sério, respeitando a Lei, sem trapaças, sob pena de se negligenciar e permitir o rompimento da distinção entre o Direito e a brutalidade organizada, conforme prevê o próprio Dworkin.
Virando-se contra o feiticeiro, a análise da súmula 380, do STJ (“A simples propositura da ação de revisão do contrato não inibe a caracterização da mora do autor”), comporta, inicialmente, uma brincadeira: o que é uma “simples propositura”? Existe, de outro lado, a propositura “complexa”, “absoluta”, “relativa” etc.? Claro que não. Ou se propõe ou não se propõe. Sendo assim, vai aqui uma sugestão aos advogados: na petição inicial, em preliminar, requeiram ao Juiz o recebimento da Ação Revisional como uma “propositura complexa”, afastando a aplicação da Súmula 380 e, consequentemente, inibindo a caracterização da mora do devedor.
Voltando ao sério, penso que a aplicação da súmula, tal qual como editada, inviabilizará completamente as ações de revisão de contrato bancário, ferindo, por consequência, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, V e VI, ou seja, revisão do contrato e prevenção do dano, e o artigo 478 do Código Civil, ou seja, a resolução por onerosidade excessiva. Ora, se a propositura da ação revisional “não inibe a caracterização da mora do devedor”, significa dizer que o devedor, apesar da abusividade da cláusula, por exemplo, terá de cumprir a obrigação abusiva – ilegal, segundo o CDC – para não incorrer na mora. Assim, em face da morosidade reconhecida de nossos tribunais, tenham como certo que o devedor será obrigado a cumprir integralmente a obrigação abusiva e ilegal, sob pena de inadimplência absoluta. Depois, querendo, poderá requerer a repetição do indébito e aguardar mais alguns anos… O banqueiro, “coitado”, não pode esperar. O cliente, “cheio de direitos”, pode!
Mais que isso, na medida em que a Súmula orienta (ainda bem que só orienta!) que a “simples propositura” da ação de revisão não tem força para inibir a mora, perde completamente o sentido o parágrafo único, do artigo 2.035, do Código Civil:
Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Assim, a prevalecer o entendimento da Súmula, se a ação de revisão não inibe mais a mora, mesmo em vista de cláusulas que afetam a ordem pública, o abuso deve ser suportado pelo cliente do banco. De nada valerá, portanto, sua vulnerabilidade garantida pelo artigo 4º, I, do Código de Defesa do Consumidor, pois terá de continuar cumprindo com cláusulas abusivas, e até ilegais, para não incorrer na mora e, depois, na inadimplência absoluta.
Por fim, a Súmula 380 evidencia a adoção de dois pesos e duas medidas quando se trata da recepção da ação de revisão contratual pelo Judiciário ou quando se trata da ação de cobrança ou execução pelo banco. Ora, como se sabe, segundo o disposto no artigo 219 do Código de Processo Civil, um dos efeitos da citação é constituir em mora o devedor. Sendo assim, quando um banco propõe uma ação (mesmo que seja uma “simples propositura”!) contra um cliente, o certo é que o cliente/devedor, por força de disposição legal, estará em mora quando for citado. De outro lado, quando o cliente/autor ingressa com uma ação de revisão contra o banco, na forma orientada pela Súmula 380 do STJ, mesmo que a cláusula seja abusiva e, portanto, nula de pleno direito (art. 51, IV, CDC), a citação do banco não inibirá a mora do autor/cliente. Por quê? Sabe-se lá… Por fim, o cliente “abusado” deverá continuar cumprindo cláusulas abusivas e ilegais para não causar prejuízo aos bancos e, principalmente, do que se extrai da Súmula 380, para garantir a “segurança jurídica”.
Para não dizer que não falei de flores e de música, minha indignação, desta feita, conduziu-me a Geraldo Vandré: “Me pediram pra deixar de lado toda a tristeza, pra só trazer alegrias e não falar de pobreza. E mais, prometeram que se eu cantasse feliz, agradava com certeza. Eu que não posso enganar, misturo tudo o que vivo”. (trecho falado da música Terra Plana, de Geraldo Vandré).
Apesar das brincadeiras, este é o comentário de um Magistrado que leva os Direitos a sério, principalmente os Direitos das minorias, dos explorados e dos excluídos.
Site: http://gerivaldoneiva.blogspot.com
E-mail: gerivaldo_neiva@yahoo.com.br
9 comentários
Eduardo Rocha · 10 de junho de 2009 às 12:37 AM
A pesar de leigo no assunto consegui captar a opinião do autor sobre o assunto, por alguns trechos como “o banqueiro “coitado”…”, por exemplo. A minha dúvida, como parte em uma ação drevisional de financiamento de veículo (leasing, mais propriamente), e preocupação fica por conta das penalidades que podem ser impostas pelos bancos aos que ingressam com a ação: existem comentários de um “cadastro interbancário” utilizado para não conceder mais crédito à esses clientes, isso é verdadeiro?? Como posso me defender desta pena?
Cordialmente,
Eduardo Rocha
J. Lima · 22 de junho de 2009 às 9:39 AM
Em que pese a insurgência do autor do presente artigo, há que se consignar que a súmula vem sim para somar, não impedindo o ajuizamento de demanda revisional, na medida em que inibe o mero ajuizamento de demandas revisionais infundadadas, que se prestam tão somente para o fim de suspender devidas inscrições do nome em cadastros de restrição ao crédito e mesmo procrastinar o pagamento do débito, o que vem ocorrendo de forma crescente, como aquelas pugnando pela limitação de juros a 1{1eecf362f98c152f8c428eb9c8eaf3ddce5ebd4071b9fa780edfd0d1e2372573} ao mês (o que não se aplica às instituições financeiras, conforme súmula vinculante nº 07) ou mesmo se rebelando contra a pactuada capitalização mensal de juros (permitida após o advento da Medida Provisória 1963-17/2000).
Desta forma, o que se denota é que aludida súmula obriga uma análise efetiva do caso concreto e, uma vez efetivamente demonstradas ilegalidades, como adoção de taxas de juros superiores às efetivamente contratadas ou mesmo a existência de capitalização mensal de juros não pactuada, poderá suspender a inscrição do nome.
Por fim, com o devido respeito, consigne-se que ninguém é obrigado a contratar, não se vendo gerentes ou mesmo prepostos de instituições financeiras batendo de porta em porta para o fim de angariar clientes, mas ao contrário, os próprios clientes vão atrás de crédito para adquirir bens, estando pois sujeitos aos valores apresentados, o que fazem de livre arbítrio.
F. Santos · 6 de julho de 2009 às 2:42 PM
Concordo com a opinião do Sr. J. Lima, em especial no judiciário baiano, onde vem ocorrendo uma enxurrada de revisionais, sem qualquer fundamento(contratos sem nenhuma parcela paga ou com apenas 2 ou 3 parcelas pagas), de clientes que claramente estão agindo de má-fé já que tal pratica é infelizmente corriqueira neste Estado. Como profissional do direito me deparo diariamente com ações que espero que agora serão inibidas com esta súmula, pelo menos se espera que assim os juizes façam uma melhor análise dos casos já que os deferimentos de liminares indiscriminadamente não afetam somente aos bancos credores e sim a população em geral que precisa do crédito e que esta disposta a pagar por ele nos termos contratados.
Emerson Reis · 11 de julho de 2009 às 12:58 AM
concordo com a opiniao do ilustre magistrado. Aqui no Brasil a corda sempre estoura para o lado dos mais fracos.
É claro que tem muito pilantra que entra com ações revisionais, mas a tutela do judiciário há de guardar para esses casos o remédio juridico necessário, ou seja, a improcedencia do pedido destes autores.
O que se coloca em discussão e isso sim é o que importa sao os juros absurdos que as instituições bancárias cobram. É obvio que deve lucrar por serem instituiçoes bancárias e nao creches.
Mas nao no patamar elevado de juros cobrados o que caracteriza um verdadeiro assalto ao cidadao.
Tais instituições trabalham em silencio, e, da noite para o dia conseguem, não sei como “favores” gerados por Medidas Provisórias muitissimo duvidosas.
O dinheiro sempre fala mais alto. Provavelmente quem escreveu contra as ideias do digno magistrado deve ser funcionario de banco, certamente num cargo muito bom. Pra esses dois senhores só tenho a lamentar, porque sao marionetes do sistema bancário, acreditando numa fórmula que ludibria as pessoas de bem.
Então para vcs dois, apesar de todo o meu respeito, data maxima venia, vao tomar no meio dos seus dignissimos cu porque sao robos prontos para subtrair o dinheiro dos pobres cidadaos de bem.
Vcs pensam o que, que a massa inteligente deste pais é burra??
Não estamos no Japao mas sabemos o que esta acontecendo.
Pais de corruptos bandidos, poder legislativo e executivo que preparam golpes contra a população. Pais que elege um Sarney, um collor ou mesmo um fernando henrique. Que me poe o lula no poder!!! hahahahahahahaha
só podia dar nisso.
…
E vem esses dois burocratas malditos querendo fazer crer que o cidadao é que é malicioso.hahahahahahahaha só rindo mesmo.
E que os bancos é quem sao as vitimas.rsrsrsrsrsrsrsrsr
Meus amigos, os bancos tem as melhores bancas de advogados do planeta, estao loucos????
Injetam milhares de reais para outros burocratas defenderem suas trapaças sob o crivo do proprio governo.
Aqui nao violão.
” no dia em que todos os cidadaos deste pais se revoltarem, a tal ponto que seja impossivel controlá-los
ai entao teremos uma revolução
ai entao teremos uma revolução”
Robson · 26 de agosto de 2009 às 10:53 AM
Caro Emerson, o dia que a citada revolução acontecer, eu não quero nem esta perto, pois eu venho dizendo que um dia o povo brasileiro, não vai mais aguentar, e as pessoas duvidam. O fato é que os bancos e financeiras extrapolam e muito em suas operaçães. Um dia desses, vi em um carnê o seguinte: “3.90 despesa de cobrança, conforme clausula contratual” (BOLA DE CRISTAL)o interessante é que o cliente, nunca havia atrasado uma prestação, ao contrário, pagava até com dias de antecedência, mas ali, no mesmo carnê não constava nenhuma frase dizendo: “em caso de pagamento antecipado desta parcela, de-se a deflação dos juros em tantos centavos de real por dia” quanto ao resto, não vou nem me ater, pois a revolta é grande.
James Renato M. Ferreira · 2 de setembro de 2009 às 1:34 PM
Simplesmente genial, parabéns pelo artigo.
wilson soares · 26 de julho de 2011 às 1:46 PM
Obrigado Magistrado!
Entendo as brincadeiras como única forma de compreender e aceitar o posicionamento dos nossos tribunais, agora, e porque não dizer também dos
nossos legisladores, antes e para sempre.
É destes raciocínios simples com a visão e foco nas minorias que nós operadores dos direitos precisamos.
Vamos simplificar… Vamos tentar equilibrar a enorme diferença em favor dos mais fortes, minoria detentora do poder.
Obrigado Magistrado! Espero que sirva de exemplo para os demais.
Tom · 2 de março de 2012 às 9:34 AM
Fui vítima disso! E ainda fui condenado a pagar sucubência de R$ 1000,00. Entrei com a revisional pela postura do referido banco para comigo, quando atrasei uma parcela somente, o mesmo colocou uma ação de busca e apreensão contra mim e o advogado deles, usava de truculência e falta de respeito para comigo, me ameaçando de todas a formas. Inclusive, o referido advogado do banco, não deu baixa no processo de busca e apreensão, e o oficial de justiça esteve na minha casa para levar o carro embora, sorte, que não guardo o carro em casa e sim em estacionamento. É um abuso sim o que esses bancos fazem, muita ganância! Claro, eles podem cobrar os juros, tendo em vista que é uma atividade comercial e eles precisam de certa forma obter lucro pela atividade, mas o que não pode é esse abuso que vemos, as taxas exorbitantes. Esse país nosso complicado, existem leis q são feitas para proteger os cidadões, aí, surgem outras leis que os ferram.
domelhor.net · 13 de maio de 2009 às 4:26 PM
A problemtica da smula 380 do STJ nas revises de juros bancrios…
Juiz ensina como advogados devem peticionar em aes de reviso de juros bancrios….